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Mobilidade sustentável: “é preciso ter coragem de retirar do automóvel o foco prioritário”

23 de março de 2023

O Transporte Público Coletivo passa por transformações em diversas cidades brasileiras e, em cidades atendidas pelo Grupo CSC, não é diferente. O motivo é apenas um: a busca por uma mobilidade sustentável que atenda e dê respostas efetivas a diferentes demandas

 

“O modelo de mobilidade urbana precisa estar em conexão com as necessidades básicas de sua população, de forma a reduzir o consumo de energia, o número de acidentes e vítimas, o congestionamento no trânsito e a emissão de poluentes, e, principalmente, a dar qualidade e dignidade à população em seus deslocamentos, dentro da realidade cada vez menos dependente do automóvel”, observa o especialista José Ricardo Motta Daibert.

 

O assunto é tão vital que esteve em pauta na 84ª reunião da Frente Nacional dos Prefeitos, realizada nesta semana, em Brasília, que contou com presença do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, com destaque para a necessidade de aporte federal para financiamento dos sistemas de transporte público.

 

Nesta entrevista, o especialista em mobilidade urbana e consultor de diversos projetos nacionais, como do primeiro ônibus elétrico híbrido do Brasil, detalha os desafios da mobilidade sustentável em Juiz de Fora.

 

Entre eles, a adoção de pesquisas de opinião e satisfação dos usuários e população em relação ao transporte público coletivo e à mobilidade em geral, como instrumentos permanentes de gestão e avaliação do setor.

 

O trânsito

 

O aumento da frota de veículos em Juiz de Fora é muito significativo e preocupante, com cerca de 270 mil veículos (IBGE, 2018).

 

As intervenções urbanas para aumento da infraestrutura viária têm sido praticamente nulas nas últimas décadas, sinalizando perspectivas ainda mais sombrias dessa natureza.

 

Juiz de Fora se insere próxima da média nacional, que aponta que o transporte público coletivo atende demanda aproximadamente igual àquela carregada pelo transporte de automóveis particulares.

 

Isso quer dizer que os 270 mil veículos particulares transportam diariamente o mesmo número de pessoas que os cerca de 520 ônibus do sistema de transporte urbano local.

 

Daí ser fácil enxergar que a solução do trânsito está no Transporte Público Coletivo, planejado para ser melhor e mais barato.

 

Quem paga

 

No Brasil, diferentemente de outros setores públicos, o transporte só é público no seu acesso, mas não no seu financiamento.

 

O poder público, quase sempre, para não ter que investir em nova e necessária infraestrutura, optou e opta por usar as vias existentes, alocando sistemas de ônibus que se misturam ao tráfego normal, comprometendo toda a mobilidade.

 

Além da infraestrutura, por não haver recursos externos às tarifas, todo o custeio recai sobre os usuários, reconhecidamente mais carentes, com a exceção do vale-transporte, bancado em parte por empregadores formais.

 

Mais ainda, gratuidades concedidas politicamente têm seu custo suportado pela tarifa dos usuários, que é assim onerada.

 

Há uma distribuição de renda às avessas e irracional, ou seja, o usuário pagante, carente, paga todo o custo de um transporte que é disponível para todos.

 

A prática da gestão do setor ainda mal “ensinou” que restava superlotar os veículos como alternativa para não onerar ainda mais as tarifas.

 

Outras fontes

 

Entre as fontes que podem desonerar o custo ou arrecadar novas receitas estão, entre outras: orçamentos públicos, empregadores, proprietários de automóveis (via IPVA ou CIDE), proprietários de imóveis urbanos (via IPTU), redução de impostos setoriais como IPI, ICMS e ISS, cobertura de gratuidades, recursos de estacionamentos rotativos, publicidade no setor, taxas de congestionamentos, taxas de uso de áreas específicas, taxas diferenciadas por emissão de poluentes, etc.

 

Isso é economicamente viável, está por ser incluído em legislação federal e é socialmente adequado.

 

A cidade

 

Juiz de Fora, não diferentemente da grande maioria das cidades brasileiras, adotou modelo ancorado no ônibus, que compartilha a mesma via pública do automóvel, exceto em raras situações de corredores exclusivos do Transporte Público Coletivo (TPC).

 

O município, assim como alguns outros no país, reagiu prontamente, durante a pandemia, injetando recursos orçamentários como subsídios, garantindo minimamente a operação dos serviços, porém longe de conseguir o definitivo reequilíbrio financeiro e a pretendida qualidade, ainda demandando solução.

 

Deve se aproveitar, agora, o município de movimentos nacionais em busca da melhoria da mobilidade urbana.

 

O transporte diário determina a qualidade do emprego, da moradia, da educação, da saúde, das compras e do lazer.

 

É necessária a adoção de pesquisas de opinião e satisfação dos usuários e população em relação ao Transporte Público Coletivo e à mobilidade em geral, como instrumentos permanentes de gestão e avaliação do setor.

 

A pé e de bicicleta

 

A mobilidade urbana sustentável tem como pilares os modos ativos a pé e cicloviário e o Transporte Público Coletivo de qualidade.

 

Os modos ativos devolvem à cidade aos seus cidadãos, que dela se aproveitam da ciclicidade e da caminhabilidade, enquanto o Transporte Público Coletivo dá a racionalidade e complementa a viabilidade do modelo procurado.

 

Entender, concordar e praticar essa prioridade é ponto inicial da caminhada para a mobilidade sustentável. Porém, não basta reconhecimento, é preciso ação correspondente.

 

E uma das mais importantes e desafiadoras é a coragem de retirar do automóvel o foco prioritário.

 

A questão da ampla acessibilidade precisa ser assumida como bandeira pública, dando atenção específica aos pedestres mais vulneráveis, em especial os idosos e aqueles que têm necessidades especiais de deslocamento.

 

Base legal

 

Questão fundamental para o alcance da mobilidade urbana sustentável, a base legal precisa estar preparada.

 

Primeiramente, o município deve estar em consonância com a legislação aplicável ao setor, em particular com a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto das Cidades), com a Lei 12.587, de 03 de janeiro de 2012 (Lei da Mobilidade Urbana) e com a nova lei que será decorrência do novo marco legal do transporte público coletivo, em discussão e elaboração no âmbito federal (fase pós-consulta pública).

 

No âmbito municipal, a Lei Orgânica do Município e leis de sustentação da nova política de mobilidade (em particular, o novo modelo de financiamento do TPC) precisam sustentar legalmente o novo modelo.

 

Da mesma forma, os contratos de delegação merecerão modernização.

 

Táxis, aplicativos e escolar

 

O transporte público individual por táxis em Juiz de Fora precisa ser tratado com especial atenção, por ser importante modo acessório de transporte público.

 

É importante o envolvimento direto da categoria na gestão e solução de questões críticas.

 

Paralelamente, há que se reconhecer as frotas particulares de transporte por aplicativos como realidade crescente e irreversível em todo o mundo.

 

Necessário se faz, no entanto, que as regras de autorização, fiscalização e convivência em harmonia com o serviço de táxis local sejam estabelecidas com participação efetiva das partes envolvidas, sempre tendo como pano de fundo a imposição da disponibilidade de serviços seguros e de qualidade para a população.

 

O transporte fretado, em especial o escolar, tem potencial de racionalizar a oferta à demanda e merece atenção específica.

 

Anel ferroviário

 

Dentro do princípio de que as pessoas são mais importantes, Juiz de Fora precisa perseguir, ainda que difícil seja, e juntar esforços para viabilizar o anel ferroviário, disponibilizando toda a atual faixa de domínio urbana para um projeto urbano sustentável, transformador, capaz de integrar urbanisticamente todo o município pela mobilidade.  

 

Esse projeto certamente conduzirá Juiz de Fora a um novo e desejável patamar de mobilidade urbana, razão pela qual será politicamente estratégico e norteador de esforços.

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